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Foto do escritorGuilherme Barreto

A Nova Lei de Licitação e o Fim do Mercado Local

Uma das grandes preocupações do legislador constituinte foi garantir o cumprimento dos princípios inerentes à Administração Pública. O art. 37 da CF/88 traz expressamente a obrigação de respeitar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O famoso LIMPE. E para garantir o cumprimento desses princípios, surgiu a obrigação do poder público realizar suas compras através de procedimento licitatório.

Guia Nacional de Contratações Sustentáveis

Assim, desde 1993 todo poder público sujeita-se a uma norma geral regulamentadora dos processos de licitação pública - Lei nº 8.666, de 1993. E um dos grandes desafios dos entes é adaptar as regras gerais à sua realidade local. Temos um país de tamanho continental e incomparáveis realidades. Em Goiás, temos um estado com mais de 7,2 milhões de habitantes¹, mas ao mesmo tempo mais de 210 municípios com menos de 20 mil habitantes. Impossível querer fazer cumprir as mesmas sistemática em todos os municípios e esferas de poder. Mas esse desafio que vem sendo enfrentado desde então, aumentou ainda mais com a NLLC.


A partir da promulgação da Lei nº 14.133, de 2021, um dos grandes burburinhos que ouvimos é a argumentação da impossibilidade, doravante, de realizar compras com o mercado local. Com a obrigatoriedade (quase que impossível de transpor) da realização de licitações por meio eletrônico e a necessidade de comunicar previamente a realização de dispensas de licitação, os entes locais vêm relatando suas preocupações com a sobrevivência dos comércios locais. E a grande experiência mostra que a partir de certames eletrônicos, os licitantes passam a vir de todo país, de norte a sul.


Todavia, como defensor ferrenho das modalidades eletrônicas sempre tento fazer entender que o problema não é o certame ser eletrônico, mas sim o ente e principalmente os municípios não encararem suas compras públicas como instrumentos de uma política pública local. Sabe-se que hoje o “Seu Zé” do mercado não conseguirá fazer login em um sistema para ofertar seus produtos, mas ele pode e deve ser capacitado para isso. Assim, o grande problema não é a forma de licitar, mas sim a ausência de planejamento das compras públicas como um todo.


O Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID realizou um estudo em 2018 que aponta que na América Latina e Caribe o desperdício de recursos públicos decorrente de compras públicas ineficientes varia entre 10% e 30%². A nível de Brasil, esse valor representa em cifras monetárias nada mais nada menos que US$ 20 bilhões - vinte bilhões de dólares por ano. Valor suficiente para manter todos os municípios goianos por aproximadamente 5 anos.


O problema de comprar-se sempre produtos ruins ou ineficientes é que o assunto “compras públicas” ainda não foi encarado como um instrumento de política pública. Todo ente gasta em torno de 30% de sua receita com contratações. E porquê então não fazer desse volume todo uma forma de instrumentalizar políticas públicas?!


Não pode ser utópico a possibilidade de todo recurso depreendido do município para realizar suas contratações retorne para ele em forma de tributos e melhorias locais. Não pode ser impossível a vontade de comprar todos os itens de consumo dentro do município. Imagine-se 30% da receita de um município sendo investido nele próprio. E o que falta para concretizar esse sonho é capacitação e conhecimento.


A partir do momento que o gestor público entender compras públicas como um instrumento de efetivação das suas políticas públicas, conseguirá ver os recursos públicos retornando ao município pelas diversas formas. E ao mesmo tempo, conseguirá superar o suposto argumento do fim do mercado local com a nova lei de licitações e contratos.


A primeira forma de concretizar o sonho é o planejamento. Não tem outra forma do gestor preparar seu mercado local para as contratações, do que avisá-lo previamente sobre o que o órgão pretende adquirir. E por isso falo sempre da importância da elaboração do Plano de Contratação Anual - PCA. Se o fornecedor verificar que no ano seguinte o município vai adquirir 500kg de arroz, ele irá se preparar para vender para o governo. E sendo esse planejamento correto e bem feito, ele não terá o risco de fazer investimento e aquela estimativa não se concretizar.


Outra forma é capacitar. É obrigação dos entes e mais ainda dos municípios promover políticas públicas para fomentar o comércio local e seus empresários. Por que não investir em capacitação desses potenciais fornecedores? Por vezes, nem precisaria de investimento de recursos públicos, mas apenas de apoio ao Sistema S que possui inúmeros programas de capacitação dos pequenos empresários. Precisaria apenas que o assunto fosse agenda da gestão.


Não posso deixar de citar a maior deficiência quando se fala em valorização do mercado local. Desde 2006 vigora no país a Lei Complementar nº 123, que determina a preferência de contratação de empresas pequenas quando trata-se de licitações. A legislação traz vários pontos sobre essa preferência, mas desde então pouquíssimos regulamentos locais surgiram para concretizar a efetivação da norma. Muitos órgãos “pararam” a leitura da LC entendendo que as pequenas empresas têm direito ao empate ficto e os itens abaixo de R$ 80 mil reais são exclusivos dela. Todavia, há outros pontos que carecem de regulamentação.


Poucos poderes regulamentaram o que a LC aponta como empresa sediadas local e regionalmente, deixando assim de beneficiar sua cidade e sua região e pouquíssimos poderes fizeram publicar regulamentos dispondo da possibilidade de pagar até 10% mais caro do que o valor final da licitação, caso esse valor seja de uma empresa pequena (ME, EPP, MEI) sediada local e regionalmente. E isso é inadmissível em uma cidade onde a valorização do mercado local seja realmente pauta da gestão.


Dessa forma, o problema recorrente que ouvimos dos órgãos falando que deixaram de comprar o pacote de sal do mercado local e passaram a comprar de fornecedores do Sul do país não é do certame eletrônico, mas sim da ausência de planejamento governamental e políticas públicas de valorização das empresas locais. Enquanto os órgãos licitantes não entenderem compras públicas como uma política pública que precisa ser pauta constante, essa realidade não mudará. A NLLC caminhou muito no sentido de valorizar o planejamento local, mas nada adiantará se esse planejamento não for verdadeiro e eficiente.


Autor: Guilherme Barreto Mota - Advogado e Professor de Direito Público. Especialista em Direito Público e MBA em Licitações e Contratos. Procurador da Associação Goiana de Municípios - AGM e sócio do escritório Assolari & Advogados Associados.


¹https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2021/08/27/goiania-e-aparecida-concentram-cerca-de -13-da-populacao-de-goias-diz-ibge.ghtml - último acesso em 15/02/2024

²Melhores gastos para melhores vidas: como a América Latina e o Caribe podem fazer mais com menos / editado por Alejandro Izquierdo, Carola Pessino e Guillermo Vuletin. Copyright © 2018 Banco Interamericano de Desenvolvimento - pág 335

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